Já passou da meia-noite, ou seja, já é sábado. Mas esta coluna é direcionada à sexta-feira. Este é o primeiro texto, e preferi iniciar falando sobre um assunto bem interessante em relação à história recente do mercado brasileiro. Tentei citar poucas vezes a GM nesse texto, mas não foi possível, simplesmente porque a repercussão do atraso de sua linha não é um assunto repetitivo, mas que se renova, já que a cada momento surgem novidades ou rumores sobre a sua linha de automóveis. O mercado brasileiro pode ser chamado de paradoxal. Muitas vezes, é questionada sua diferenciação em relação aos outros mercados. Desde a década de 1980, quando a indústria em geral não podia utilizar tecnologia de outros países, da década de 1990, quando a abertura das importações permitiu modelos de diversos países serem importados para o Brasil, incentivando a modernização da indústria automotiva local, até a década de 2000, quando certas marcas simplesmente passaram a adotar o atraso de suas linhas como táticas de lucro, o mercado brasileiro era conhecido por sua peculiaridade. O custo x benefício de alguns modelos ultrapassados na década passada os mantiveram no mercado, caso da maioria dos GM. Exemplos recentes: com 45 mil reais, está disponível um Astra 0km, com airbags e freios ABS. Com equipamentos e preços semelhantes, você encontra um popular de 41 mil reais, caso do Novo Uno, um um hatch compacto por 38 mil, caso do Picanto automático. Agora, temos os chineses, mas o acabamento de um hatch médio e a confiabilidade da GM batem as vantagens desses veículos.
Em contrapartida, temos exemplos como a Parati, cujo atual visual foi lançado em 2005, porém, é praticamente a mesma Parati de 1996. A station wagon não rende mais de 500 unidades mensais, devido à presença da SpaceFox, 8 mil reais mais cara, que oferece ar-condicionado, vidros e travas elétricas de série. Um projeto mais recente. Mas por que a Parati permanece em linha? Porque é a ideal para frotas de empresas em geral.
Caso semelhante é o SUV Blazer, da GM. Seu público em si foi roubado pela Captiva, 10 mil reais mais cara – e menor. A Blazer já foi referência no segmento, que anteriormente contava apenas com carros importados, como a Ford Explorer e a Nissan Pathfinder. Lançada em 1995, permanece quase a mesma até hoje. Em comparação ao mercado norte-americano, a Captiva seria equivalente à Traverse, e a Blazer, à Tahoe. Porém, lá, a Tahoe é mais cara que a Traverse. Aqui, os papéis se inverteram…
Apesar disso, o mercado começa a mudar. E não é só por causa da lei que obriga todos os carros vendidos no mercado a serem equipados com airbags e freios ABS a partir de 2014, e que deverá obrigar as montadoras a retirarem a maioria de seus carros de linha, mas também por uma mudança no comportamento do consumidor.
Modelos como o Mille ainda somam 50% das vendas do Uno, e o Gol G4, cerca de 20% das vendas do Gol. Mas, em outros segmentos, atraso não significa custo x benefício, salvo casos como o do Astra. O Golf, por exemplo, é quase o mesmo desde 1998. Aqui é vendido como hatch médio (no Canadá, como veículo de entrada). A modernidade de seus concorrentes fazem com que ele perca as vendas.
Para tanto, seguindo o exemplo de hatches médios, até 2013, o segmento terá o Bravo, o Focus III, Cruze Hatch, novo C4, Golf VI ou VII, novo i30 e, quem sabe, o Mégane hatch e o novo Tiida. Todos alinhados com a Europa. Não por acaso. O consumidor quer inovações, modernidade. E esses modelos citados acima têm tudo isso de sobra.
A GM percebeu isso. Em um ano, todos seus modelos antigos sairão de linha. Só neste ano, Meriva, Zafira, Astra, Corsa e Corsa Sedan irão dar adeus. O único modelo antigo que deverá continuar em linha será a S10, que fará companhia a sua substituta, que também será lançada neste ano. Além disso, a marca está apostando em modelos novos em novos segmentos. O Camaro é o maior exemplo desta aposta da Chevrolet.
A Ford, inclusive, irá tirar o atual Fiesta de linha no ano de 2014. Assim como o Corsa, seu custo x benefício é o seu atrativo, mas a reestilização garantiu uma levantada nas vendas – e queda nos preços. No mesmo ano, sai de linha o Ka, que dará lugar a um projeto global (já o Fiesta será substituído, provavelmente, pelo atual New Fiesta).
Pensem na década de 1990. Você imaginaria abrir uma revista automobilística e ver na seção de veículos vendidos marcas como Bugatti, Lamborghini e Spyker? Você imaginaria a Kia registrando 125% de crescimento em vendas? Imaginaria um popular como o Novo Uno? Ou montadoras lançando low costs com airbags e freios ABS de fábrica?
Com isso, o mercado parece engatinhar para voltar a seguir, em uma escala muito maior, o lema da década de 1990. Um mercado de inovação, de novas tecnologias, de carros alinhados com outros países. Sem as ditas adaptações das montadoras brasileiras. Pelo menos é o que todos esperam…