Na Reversal Brasileira quem mata o carro é VOCÊ
Por Johanns Lopes O Latin NCAP foi recebido com louvor na notícia de sua criação, nos idos de 2010. Os primeiros passos do Brasil em relação à segurança automobilística deram-se no início de 2009, quando foi sancionada a Lei que obriga todos os carros a contarem com duplo airbag e freios ABS de série a partir de 2014, e que essa adesão deveria ser gradual, evitando que tudo ocorresse de última hora. O próprio Brasil passará a realizar crash tests em seus carros através do Inmetro a partir de 2015. A mudança é visível, e o Latin NCAP veio trazer os testes de padrão europeu para a América Latina, que apenas agora, 30 anos depois, acorda para a segurança automotiva. Deu no que deu.
Os testes até agora não foram nada animadores. Os mais bem colocados são, em sua maioria, carros mais caros (como Cruze e Corolla), com raras exceções como o Toyota Etios. Além disso, a entidade chegou à conclusão de que há uma discrepância inacreditável entre modelos que são vendidos aqui e na Europa, como é o caso do March (com duas estrelas aqui e quatro estrelas na Europa), o que se explica por diferenças na qualidade de produção dos veículos, que no Brasil são produzidos com um menor número de soldas, diminuindo imensamente a segurança dos mesmos. Alguns dos 34 veículos já testados pela entidade comprovaram que a legislação que torna o duplo airbag e os freios ABS obrigatórios não é suficiente. O chinês JAC J3, por exemplo, conta com ambos os equipamentos e conquistou apenas uma estrela dentre cinco possíveis. O panorama assusta e mostra que nossa frota é extremamente perigosa, e as lamentáveis respostas da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) às acusações deixam claro que as montadoras seguem apenas a fraca legislação brasileira.
O exemplo mais recente foi o crash test dos modelos Agile e Clio, que zeraram o teste de segurança, ou seja, sob a avaliação do Latin NCAP, esses veículos são potencialmente mortais. Ambos demonstraram pouca proteção à cabeça e outras falhas incontestáveis para carros da década de 2000. Esta mesma geração do Clio, em 2000, atingiu quatro estrelas num teste da Euro NCAP. O veículo testado pelo Latin NCAP não tinha airbags, já que o Clio não oferece os equipamentos nem como opcionais nos dias de hoje. A mesma situação é a do Agile, que apenas no Brasil possui airbags e ABS de série por ter perdido a versão simples LT. Na história do Latin NCAP, apenas um carro havia zerado o teste, o Geely CK, chinês que não é vendido no Brasil. Está certo que estes testes inauguraram uma fase ainda mais rígida do teste, o que talvez justifique que outros veículos brasileiros não tenham recebido esta nota anteriormente.
Agora, todos os veículos que não ofereçam segurança à cabeça do motorista recebem nota zero, o que incluiria na lista veículos já testados anteriormente como Uno, Ka, Gol Trend, Palio, Classic e dentre outros. Porém, os dois modelos trazem à tona um cenário preocupante: a diferença de qualidade de um modelo que já foi bem avaliado na Europa e a nota zero de um modelo lançado em 2009 – neste caso, o Agile – por uma montadora tradicional no mercado, a Chevrolet. Enquanto a concorrência se movimenta a passos lentos no segmento dos populares, como os airbags de série no Celta e no Uno, a Renault parece ter se “esquecido” dos equipamentos de segurança ao lançar o Clio reestilizado no ano passado. O mesmo aconteceu quando, após o vexame do teste do Sandero, a marca decidiu equipar todas as versões do hatch com airbags… Na Argentina. O Brasil não foi lembrado neste caso. Só versões 1.6 tem o equipamento como item de série. A Chevrolet lançou no fim do ano passado o Onix, de qualidade superior à do Agile, com preços inferiores, entretanto. Estamos comparando um modelo produzido às pressas e com restos da fábrica para salvar a GM na crise mundial (o Agile) com um carro projetado de forma mais cuidadosa – o Onix. Isso dá, teoricamente, crédito à suposição de que o Onix é um veículo mais seguro – o Latin NCAP dirá em breve. A GM, ao invés de aposentar o modelo, irá reestilizá-lo e mantê-lo com seu eminente sucessor, tendo o espaço interno aparentemente maior – o que não é real – como justificativa. Aparentemente não estamparão orgulhosamente nas propagandas a nota zero no crash test, e não serão faróis e grades diferenciadas que tornarão o modelo mais seguro.
O pior é que há quem passe a mão na cabeça das fabricantes. A Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) divulgou nota em maio, em resposta a artigo da Associated Press que mostrou ao mundo que carros fabricados no Brasil tem qualidade inferior aos similares vendidos em outros países (quando aplicável) e são muito menos seguros que carros europeus ou norte-americanos, da qual vale destacar o seguinte trecho:
A indústria automobilística brasileira tem uma longa experiência na produção de veículos. São quase 60 anos no aperfeiçoamento dos sistemas de fabricação e melhoria de qualidade e segurança. Lamentável, portanto, quaisquer correlações entre o número de vitimas no trânsito com os indicadores de qualidade dos veículos produzidos no Brasil.
Existem vários fatores que influenciam nos acidentes, desde condições das estradas, inabilidade dos motoristas – provocada muitas vezes pelo consumo de álcool, psicotrópicos ou mesmo cansaço excessivo – além da precariedade do estado de conservação dos próprios veículos – pneus desgastados, falta de manutenção, iluminação deficiente, afora eventuais desrespeitos à sinalização de trânsito.
O que isso significa? Para a associação os carros nacionais são seguros. O problema é que os motoristas são irresponsáveis e o governo não conserva as vias. Em outras palavras, carros nacionais são seguros até o momento que ele se envolver em um acidente. Quem mata o carro é você! Por fim, o lucro dita as estratégias no Brasil, um mercado de todas as loucuras e possibilidades. Enquanto os EUA são (ou eram) o país das oportunidades para imigrantes, o Brasil é o país das oportunidades para as montadoras. Já salvamos a GM, a Ford e somos a bola da vez dos chineses. Tudo isso em um mercado de preços superinflacionados, com preços estratosféricos e produtos pobres, que triplicam o lucro de marcas que posam de sustentáveis e modernas no exterior, enquanto o Brasil jaz com motores poluentes, ultrapassados e carros inseguros de gostos duvidosos. Somos o país do futuro. Resta saber quando ele chegará.
Com Henrique Rodriguez