A evolução das tecnologias e a abertura do mercado nos trouxe um mar de racionalidade… e chatice
Por Bruno Sponchiado Há alguns dias, o Renato Passos falou sobre a falta de criatividade dos engenheiros e projetistas desta coisa que a gente gosta muito, o carro. Eu vou além: os carros de hoje são chatos. Com raríssimas exceções. Claro, um Bugatti Veyron com a casa de máquinas que o faz voar encanta pela tecnologia, mas eu digo nos carros que nós, pobres mortais da classe média, podemos adquirir na concessionária mais próxima. Como somos brasileiros e acompanhamos diariamente, a evolução (será?) do nosso mercado, vamos analisar o que foi e é vendido na “terra do Lepo Lepo” em termos de avanços e criatividade. Com o fechamento do mercado para carros importados na década de 70, as três grandes montadoras (GM, Ford e Volkswagen), tiveram que se adaptar à realidade nacional. Acredito que essa “exclusividade” dos carros genuinamente nacionais e falta de opção traziam um pouco de tempero para o nosso mercado. Por exemplo, o Opala, o primeiro carro de passeio da General Motors do Brasil, derivado de um projeto alemão, mas transformado em um carro quase americano. Caiu nas graças do povo por seu espaço, robustez e linhas que lembravam uma grande barca americana. Motor V8? Fora de cogitação: melhor pegar uma de caminhonete, forte e robusto. Mas mesmo assim, graças aos adereços visuais, no caso do SS, do motor 250-S (criado a partir de modificações para pista) virou uma lenda. Tinha graça. Sal. Tempero. Saia das mesmices. Não era chato. E o Omega? Motor 3.0, painel digital e capacidade para fazer Rio-SP em pouco mais de 3 horas sem problemas. Em 1992.
Del Rey: o que não tinha de motor, tinha de capricho. A Ford fez o que pode com seu Corcelzinho, um projeto também europeu, da Renault (!), mas que ganhou traços americanos, com interior monocromático, pintura em dois tons e até aquela brincadeira de usar madeira nas laterais, ao estilo uma Wagoner ianque. Na chamada “década perdida”, remexeu o velho Corcel e criou um carro marcante em diversos aspectos, o Del Rey, sem grandes nuances mecânicas (andava como um 1.0 do começo dos anos 2000), mas com o sal que tanto falta nos carros de atualmente. Afinal, quem não lembra do reloginho azul? Do painel “aeronáutico”? Do câmbio automático, em uma época de carro de luxo sem ar condicionado? Claro, são as evoluções tecnológicas da indústria, mas não é só nostalgia: hoje pegamos um Toyota Corolla, típico carro de pai de família. Qual é o sal dele? Ele tem o mesmo reloginho digital no painel, que, aliás, é horroroso. Nem para se gabar para o vizinho dá. Quase um transporte particular.
A Volks também fez o que pode com seu Fusca. Até versão esportiva com dupla carburação teve. Hoje em dia o Gol mais esportivo tem suspensão ELEVADA (!!!). O Bizorrão se revira no túmulo… No caso dos sedãs, o Santana chegou a ter versão com detalhes em dourado, rodas BBS e injeção eletrônica (uma primazia), além de versões “coupé” com duas portas, bancos esportivos e motor que rendia mais que as outras versões. Hoje é brindado com um sedã médio com motor que tem um pé nos anos 80. A salvação é a mecânica do TSi, mas ainda com interior insosso demais. E não venha falar do Voyage Evidence! Acredito que uma das poucas exceções é o Golf, que ainda resguarda uma versão com câmbio manual e um acerto esportivo. Não sei o que a VW está esperando para oficialmente criar uma versão “Sport” dele. O GTI eu nem comento pois, tirando a terceira geração, sempre foi uma referência em termos de tempero, esportividade e arrojo. Uma pena custar 120 mil reais, quase o dobro da versão comum sem seus pacotes caríssimos.
A Fiat sempre tentou fugir do comum. O 147 “cachacinha” a álcool em 1979, o Uno “botinha ortopé” em um país que, em 84, ainda comprava com força um projeto dos anos 30. Sem falar do turbocompressor nos Tempras e Uno (quem não lembra das rodas hélice? Do jogo de para-choques do Uno?), da porrada do Marea Turbo – que poderia ter vindo com 220 cavalos, como o Coupé europeu – entre outras ideias criativas que, aos poucos, foram abandonadas.
Ela ainda tenta: tem sua linha turbinada com o Punto e o Bravo, mas que pouco chama a atenção do público. Infelizmente. O que é mais legal? Um Corolla 1.8 automático prateado ou um Linea 1.4 Turbo vinho com interior em couro bege? Pena que a versão saiu de linha há uns três anos…
Posso ser um pouco saudosista sim, admito. Mas por que os nossos clássicos nacionais são vendidos hoje a peso de ouro? Por que os encontros de carros antigos crescem a cada ano e atraem cada vez mais a garotada? Por que carros ditos “racionais” invadem o mercado a cada ano e lideram o ranking de vendas? Nossa indústria pode ter evoluído, mas nosso gosto parou no tempo. Foi substituído pela praticidade. Pela razão excessiva. Pela chatice. As clínicas de produto homogeneizaram os carros. A abertura do mercado e a diversificação das marcas e modelos nos transformou. Hoje somos todos grandes chatos. Agora me dão licença que vou ali lavar meu Monza GLS 1995 com retrovisor eletrocrômico, regulagem de farol e freio a disco nas quatro rodas – itens que meu Sentra 2.0 2013 não tem.