Detalhes de carros e motores que você nem imagina…
A inspiração para este texto vem de um diálogo que presenciei há algum tempo. Vem da grande maioria dos proprietários de automóveis, que sabem pouco do carros que dirigem. Mesmo entusiastas, independente de possuírem seu próprio automóvel ou não, também patinam em certas ideias e fatos cercados de lendas que se misturam e, no fim, mais confundem do que ajudam.
E não, não tomei chá de fita VHS. Então senta que lá vem história.
Tudo começou quando vi um cara afirmando que a manutenção de um Grand Cherokee V8 da série ZJ – aquela dos anos 90 – é tranquila, pois seria o mesmo motor dos Dodge nacionais. É o famoso small block Mopar de 318 polegadas cúbicas, não é? Pois sim. Mas lá vai Renato explicar que não, que o motor da Jeep era da série Magnum ao passo que os Dodge nacionais eram da série LA e que, embora um seja descendente direto do outro, possuem em comum apenas as bielas, prisioneiros e itens bem pequenos: todo o restante muda. Você pode fazer uma série de adaptações, mas não será a mesma coisa.
Praticamente toda vez que eu falo isso, sou confrontado com uma cara amigável. Como se eu fosse uma menina católica africana cuspindo na cara de um guerrilheiro do Boko Haram. Ou então como se estivesse dando aula de física quântica para um cachorro.
Isso se dá porque são criados alguns mitos no meio automobilista que são difíceis de se desfazer, e eles estão para todos os lados. Alguns são verdadeiros, mas outros são extremamente furados. Não vou trazer a tona todos eles, nem a maioria. Se quiserem um Serviço de Atendimento ao Cliente, usem os comentários que verei e responderei. Vamos por tópicos para tornar a coisa mais dinâmica:
1 – Na linhagem dos motores AP, temos a lenda de que existem três combinações de bloco/virabrequim/biela diferentes. Em termos gerais, é verdade. Antes de se tornar AP-600 em 1985, o motor 1.6 usava bielas de 136mm. Que passaram para 144mm, as mais comuns em termos de DIMENSÃO – embora existam diferenças de desenho entre os diferentes motores e anos-modelo. Por fim, temos as bielas de 159mm, utilizadas com um bloco de deck mais alto, no Gol GTI 16v.
2 – Ainda sobre o AP: sim, é um projeto da Mercedes Benz. Sim, o 2.2 de 5 cilindros da Audi é o AP-800 (1,8L) com mais um cilindro, também passando por diversas modificações junto dos AP com o tempo. Sim, o primeiro V8 da Audi, o 3.6 PT, pode ser grosseiramente considerada a junção de dois AP-800. Não, a NASA não utiliza motor AP em seus foguetes.
3 – Muitos carros usam a mesma caixa automática, mais do que você pode imaginar. A despeito de um sem-número de fabricantes, poucas são as que produzem transmissões automáticas. Basicamente, quem as faz são GM, Ford, Mercedes Benz, Chrysler, ZF, Jacto, Aisin, Borg-Warner, Renault e Honda. Se houver mais, não são muitas.
4 – É verdade que o Opala utilizou a mesma transmissão que a BMW, no caso a ZF que foi utilizada após 1988. E é verdade que Rolls-Royce, Ferrari e caminhonetes GMC compartilharam a mesma caixa. Assim como Vitara e Chevette. Assim como Corolla, Marea e Vectra. Isso pode facilitar sua vida na hora de reparar seu câmbio automático.
5 – Ainda em tempo, Captiva V6 e Edge utilizam a mesma caixa automática. Que dá problemas nos dois. Igualmente.
6 – A propósito, a GM têm dois motores de 1,8 litro que são completamente diferentes entre si: o Família I, também utilizado na Fiat, descendente do 1.0 que chegou ao Brasil no Corsa em 1994; e o 1.8 do Monza, Astra, Kadett e afins, é descendente do Família II que chegou no Brasil em 1982 no Monza 1.6 e ainda dá as caras na S10 2.4. Motor esse que substituiu o Opel CIH dos anos 1960, aquele que deu origem ao seis-em-linha 3.0 do Omega nacional.
7 – Foram diversas as mudanças feitas nos Família II ao longo dos anos, embora muitos jurem de pés juntos que não. E não, o motor do Monza 1.6 que foi o primeiro da Família II não era o mesmo do Chevette. Até porque o Chevette nacional nunca teve um motor Chevrolet ou Opel. Aquele motor era o Isuzu G140 japonês.
8 – Ainda sobre o Família II, enquanto tínhamos a opção do 2.0 carburado no Monza a partir de 1987, saia da mesma linha de montagem esse motor com injeção e turbocompressor produzindo 165cv. O destino? Pontiac Sunbird e Buick Skyhawk nos EUA – país que também recebia o 2,3l da Ford brasileira com injeção e turbo que equipava, dentre outros, Mustang, Thunderbird e Merkur XR4 na terra do Tio Sam. Enquanto isso, Fiat e Volkswagen produziam toneladas de motores diesel. Todos para exportação, em um volume de certa forma significativo.
9 – Falando em Fiat: nosso Tempra é bem diferente do europeu. Porque apesar da “casca” igual, tínhamos basicamente um Fiat Regatta com suspensão traseira de Alfa Romeo 164. Expediente parecido fez a fabricante italiana ao transformar nosso Uno em alien, “mezzo” 147 e “mezzo” Uno italiano. Pouco dessa plataforma passou para o Palio, embora algo tenha se transmitido. É que para muitos, se a Fiat lançar um avião executivo, ele vai ter plataforma de Fiat 147.
10 – Manutenção de Alfa Romeo é complicada? A partir do momento que você descobre um mundo de peças compartilhadas com Tipo, Tempra, Brava e Marea isso cai por terra. E são muitas, diga-se de passagem.
11 – O motor Cleón-Fonte, de origem Renault, não chegou em sua dimensão máxima no Brasil nas mãos da Autolatina – o CHT! – como muitos afirmam. Na Argentina ainda arrancaram mais alguns centímetros cúbicos desse motor, que teve mais de 40 anos de vida e foi de extremo sucesso nas pistas, a despeito de sua fama de econômico e fraco no Brasil. Ainda em tempo: esse motor NÃO é o mesmo Renault Ventoux do Dauphine, Gordini e seus amigos.
12 – Ainda de Autolatina: problemas no câmbio de seu Golf Mk3 ou Seat dos anos 90? Procure peças do câmbio do Escort 1.8 e tenha uma grata surpresa. Também vale se você tiver um V6 Renault, Peugeot, Citroën ou Volvo. 90% são o famigerado PRV, de manutenção barata e fácil na Europa. Alguns motores seis-em-linha da Mercedes Benz podem utilizar pequenas peças dos motores OM da linha Diesel.