O que as marcas fizeram para competir com carros importados?
Há alguns dias, fizemos uma lista dos importados que mais marcaram os anos 1990. Hoje, o assunto é a reação do mercado interno, ou seja, o que fizeram as ditas “montadoras nacionais” com seus carros desatualizados para conter a chegada destes que seriam mais modernos.
Com a abertura dos portos em 1990, Fiat, Volkswagen, Chevrolet, Ford e outras empresas que já produziam no País tiveram que reagir renovando seus carros, que era o que o Governo queria ao liberar as importações. Essa tentativa de renovação se deu se muitas formas, seja por importações de modelos já existentes lá fora ou adaptações dos nacionais, ou até mesmo novos projetos.
Enfim fora possível reformular o mercado, trazer novas tecnologias para os modelos nacionais, afinal, nem as empresas já instaladas aqui tinham acesso às tecnologias por meios legais. Foi algo significativo. Por isso, reunimos os principais lançamentos do início da década de 1990, período de tempo que refletiu justamente o uso de tecnologia estrangeira. Isso não quer dizer, é claro, que não houve uma intenção de defender o mercado nacional.
1 – Fiat
A Fiat chegou ao Brasil em 1977 com o 147 e até 1991 esteve envolvida com carros baratos e acessíveis em sua maioria. Mas isso mudou com a chegada do Tempra. O sedan de luxo surgiu na Itália em 1988, e a Fiat já tinha planos para ele no Brasil. Veio em tempo certo: o Brasil, país que carecia de modelos de luxo, recebeu inúmeros deles durante a abertura das importações.
O Tempra era um sedan grande, luxuoso e com design chamativo. Ao longo do tempo, ganhou a versão Turbo que tornou-se, na época, o modelo mais rápido do Brasil. Foi um bom contraexemplo para balancear a imagem da Fiat no Brasil, que poucos anos antes criou o Mille, o primeiro 1.0 nacional e espartano ao extremo. Agora, eles tinham um sedan de luxo, ainda que o nosso fosse baseado no velho Regatta.
O Tipo também é um exemplo importante. Embora tenha chegado em 1993 importado da Itália, foi um dos poucos carros que conseguiram superar o Gol no ranking mensal dos carros mais vendidos naquela época. Só foi nacionalizado em 1995, mas saiu de linha em 1997. Foi substituído pelo Brava, lançado em 1999.
O Tempra saiu de linha em 1998, após 204.994 unidades , quando a Fiat lançou o Marea, que carregou boa parte da imagem (e padrões) do seu antecessor. Apesar disso, hoje, a marca carece de modelos realmente impactantes e luxuosos que possam reafirmar essa referência de luxo. É por isso que Bravo, Linea e Freemont (este último um Dodge) vendem pouco atualmente.
2 – Ford
Como já se sabe, Ford e Volkswagen estabeleceram um acordo formando uma joint-venture em 1987, a famigerada Autolatina. Apesar disso, as consequências práticas só apareceram em 1990, com o lançamento de modelos como o Apollo e o Verona. Eram baseados no Escort, mas tinham apenas carrocerias duas portas.
E aí chegara a hora de reagir aos importados. Poderiam tentar enfrentá-los com os carros que tinham ou aproveitar a situação para renovar suas tecnologias e tirar o mercado brasileiro do atraso que estava até o fim dos anos 1980. A Ford (e a VW, logo abaixo) foram as que agiram de forma mais amena dentre as cinco aqui citadas.
A Ford, de início, não se movimentou para defender sua linha. Isso só aconteceu porque a Autolatina já tinha alguns planos: além do compartilhamento de motores, plataformas e fábricas entre si (o Escort usava motores da Volkswagen e o Logus era produzido em uma fábrica da Ford, assim como o Versailles aproveitava-se da plataforma do Santana), eles planejavam substituir toda a linha Gol por derivados do Escort 1993. Com a vinda de modelos europeus para o Brasil, a linha Ford estava renovada.
A Autolatina acabou por ajudar a Ford e a VW. Em 1994, a Autolatina chegou ao fim teórico, quando ambas as montadoras declararam que queriam seguir diferentes metas. Com isso, chegaram modelos como o Verona de segunda geração, em 1994. Apesar disso, o Escort Hobby manteve-se em linha. Ou seja, voltaram à estaca zero. Apenas anos depois vieram novos modelos, como o Ka, Fiesta e o novo Escort.
Não foi uma renovação, mas ajudou a Ford a seguir um rumo. O Escort, por exemplo, tornou-se mais competitivo com o 1.0 CHT da Volkswagen, e o Versailles era querido no mercado. E alguns de seus modelos brigaram bravamente com importados de referência; Escort XR3 conversível e o Versailles Ghia eram referências no mercado da época. Em resumo, a Ford só combateu os importados por influência direta da Autolatina.
3 – Volkswagen
A história da VW se mistura – e muito – com a Ford por razões óbvias. Em 1990, faziam 4 anos que o Fusca havia saído de linha. E aí a Volks percebeu que a família Gol precisava de mudanças. Mesmo assim, aquele início da década significou um aprimoramento de sua linha premium. Santana e Quantum foram reestilizados em 1991, já projetados pela Autolatina, se tornando mais luxuosos do que na geração anterior, e ainda vieram Logus e Pointer, os “Escort” da Volkswagen. Alguns paradoxos aconteceram como a volta do Fusca em 1993, mas isso só aconteceu por ter sido a pedido do presidente da época, Itamar Franco, que facilitou a vida de carros 1.0 e também dos dotados de refrigeração a ar.
O novo Gol só viria em 1994, e as novas Parati e Saveiro só alguns anos depois. Mas, junto de todos esses modelos novos no início da década de 1990, vieram novas tecnologias como os motores com injeção eletrônica e equipamentos como os freios ABS. Mecanicamente, fizeram a diferença. A inclusão desses novos modelos, elogiados em sua maioria pela imprensa, só reforçaram a imagem da marca que, na época, era a líder de vendas no Brasil.
4 – Chevrolet
A Chevrolet, como todas as outras, estava desatualizada. O Opala, em linha desde 1968, estava na fila da aposentadoria há mais de uma década. O Chevette era o mesmo desde 1987, mas o projeto, de 1970. As exceções eram o Kadett e a Ipanema, lançados em 1989. Eram dos poucos carros modernos fabricados no país.
O Kadett, um projeto da Opel, brigava com as versões mais caras do Escort, um projeto do início dos anos 1980, enquanto a Ipanema brigava com peruas super desatualizadas como a VW Quantum (de 1982) e a Ford Belina. Com a abertura dos portos, a marca pôde trazer o maquinário para uma reforma completa na sua linha. Em 1990, a Marajó saía de linha por ter perdido espaço para a moderna Ipanema.
Um ano após a abertura dos portos, o Omega chegava ao mercado brasileiro brigando diretamente com o Fiat Tempra. Era o modelo nacional mais luxuoso do mercado. As linhas sóbrias e esportivas, o interior super luxuoso e o motor alemão 3.0 traziam algo jamais visto antes em linhas de montagem brasileiras.
Sua versão station wagon veio logo depois. A Suprema abriu espaço para as peruas de luxo, mas nunca vendeu muito por ser mais cara que a maioria das peruas presentes no mercado. Tanto, que em 1997 apareceu na edição brasileira do Guinnes Book por ser o carro mais caro fabricado por aqui: custava cerca de 80 mil reais. Chegou a brigar com a Tempra SW, outro exemplo de luxo com seu painel digital. O motor 3.0 foi substituído por um 4.1 brasileiro mais tarde que, segundo críticos, era inferior ao made in deutschland. E, até hoje, é sonho de consumo de muita gente.
A Chevrolet tinha três peruas no mercado em 1995: a Suprema, a Ipanema e o Astra SW, importado da Bélgica. Hoje, não tem nenhuma.
O Monza foi reestilizado em 1991, imediatamente após a abertura dos portos. Ficou mais moderno e com um design comparável aos modelos europeus, apesar de ser bem diferente do Monza vendido por lá (chamado de Ascona pela Opel e de Cavalier pela Vauxhall) na década de 1980. O design era elogiável, e a versão Classic, a top de linha, vinha até com painel digital, um elemento que hoje é mais barato para as fabricantes que os convencionais.
O Kadett GSi, em linha desde 1993, foi, sem dúvidas, uma arma da GM tanto contra o Escort XR3, quanto para os importados. A exclusividade não ficava apenas na carroceria conversível, cuja carroceria era produzida no Brasil, enviada para o estúdio Bertone na Itália, onde recebia a armação para a capota e outros detalhes, e retornava para o Brasil para ter o acabamento finalizado. O preço era alto, mas o status era ainda maior.
Com as isenções de impostos para os modelos 1.0, que motivou a criação do Mille por parte da Fiat, a Chevrolet diminuiu as cilindradas do motor 1.6 do Chevette, que se tornou 1.0. Era o Chevette Junior, muito fraco, e foi morto cruelmente pelo Corsa em 1994, um hatch europeu com design futurista para o mercado da época e sem cobrar muito por isso. O resultado foi uma fila de espera de meses.
O Vectra veio em 1993, produzido em São Caetano do Sul em regime CKD. Marcou pela versão GSi, mas nunca vendeu tanto quanto seu sucessor, de 1997, considerado o ápice da revolução da GM naquela década. O Vectra B foi, inclusive, o sucessor do antigo Monza, que saiu de linha no ano anterior.
A linha crescia, e até mesmo o Kadett, o precursor desta reformulação, estava ficando desatualizado. O Astra o substituira na Europa e, por isso, chegou por aqui em 1995 importado da Bélgica. Ele conviveu junto com o Kadett até 1998, quando ambos saíram de linha para dar lugar à nova geração do Astra, esta fabricada no Brasil, a partir de 1999. Ficou em produção até 2011.
Não é à toa que a Chevrolet mereceu um espaço bem maior nesta lista. É, simplesmente, a referência em uma década que viu uma revolução entre os carros. De carroças, como dizia o então presidente Collor, para carros. Carros estes de todos os lugares do mundo. E os nacionais não podiam ficar para trás. Nem a tão tradicional Chevrolet.
Tradicional, mas que conseguiu se perder na década seguinte. Mas isto fica para outra ocasião.