Outro dia dirigi um Citroën C4 Picasso da nova geração por não mais que 15 km. Ok, é distância maior que muito test-drive de lançamento, mas foi algo despretensioso, só para matar minha curiosidade pelo carro e pelas soluções pouco ortodoxas que de vez em quando a Citroën se vê confortável em utilizar. Mas há um limite para tudo…
Não é sempre que se dirige um carro realmente diferente. Mudam o design, os motores, as centrais multimídia, as calibrações. Mas os carros estão bastante pausteurizados, muito em virtude dos fornecedores que quase sempre são os mesmos. Você sabe exatamente onde procurar um comando ou função e como o carro vai reagir. No C4 Picasso está longe de ser assim, ele quer mais de você.
Queria ter presenciado minha reação ao sentar-se ao volante como terceira pessoa. Certamente foi a mesma de uma criança fã de automóveis teria entrando na garagem do Jay Leno. Primeiro você recebe um abraço do banco (se quiser, até massagem), depois se vê em um ambiente tão amplo e arejado quanto um tríplex decorado à venda. Você pode até abrir as pernas como um neandertal porque não há um grande console central saindo do painel. E o passageiro pode acionar um apoio para as pernas (como naquela poltrona do seu pai).
Aí você se toca: “Epa! Onde foi parar o câmbio?”. Debaixo do seu nariz, literalmente. Está numa haste na coluna, posição de carros de décadas atrás e muito mais inteligente daquelas dos SUVs da Mercedes, que ficam justo no lugar da haste do limpador (aí você coloca o carro em neutro quando quer limpar os vidros). Isso até é legal porque você tem borboletas para as trocas de marcha sequenciais. Você aperta o Start, bota a alavanca em D, solta o freio de estacionamento num botão na parte de baixo do painel e é feliz. Mas não pra sempre.
Sabe aquela TV enorme que você comprou para a Copa de 2014? A tela que substitui o quadro de instrumentos do C4 Picasso tem o mesmo tamanho. Ela se divide em três blocos configuráveis exibidos em 3D, além das informações de temperatura, tanque e de outras funções do carro na parte de cima. É daquelas telas que realmente enchem os olhos até de quem está no carro do lado.
É claro que você nunca vai se contentar em deixar aquilo como está, vai querer configurar do seu jeito, exibindo apenas as informações que lhe interessam. O problema são os meios: você comanda tudo, absolutamente tudo, pelo volante! Parece uma proposta sensacional, você não precisa tirar as mãos do volante para interagir com o carro e, teoricamente, se distrairá menos. Certo? Não. Este volante tem nada mais que 11 botões. Ok, o Renegade e a Toro têm mais de 20… Mas ainda tem os quatro botões giratórios e a distribuição entre eles é idêntica, simétrica. Ali tem botões do piloto automático, do som, do telefone, da tela e até do park assist. Da última vez que me senti tão perdido estava trocando um Nokia velho e um iPod Touch por um Android, lá por 2011.
Aí começa o processo da tentativa e erro, o mais antigo método de ensino da humanidade, aplicado enquanto conduzia o carro. Mudei da rádio de rock pra de pagode, mudei a forma de exibição do velocímetro (pode ser uma barrinha horizontal), vi o computador de bordo, uma bússola, o mapa do GPS e, só mais tarde, o conta-giros que eu queria. Claro que neste meio tempo coloquei ↑ ↑ ↓ ↓ ← → ← → e consegui combustível infinito, para equilibrar meu sentimento de idiota.
Antes que você pergunte, o ar-condicionado é comandado por uma tela touch-screen logo abaixo, onde está, de fato, a central multimídia do carro. E apertando em algum lugar é possível ter visão 360° do carro na tela lá de cima, mas só o colega que estava comigo sabe como fazer.
O Citroën C4 Picasso é um carro sensacional. Cheio de funções, espaçoso, equipado e que, finalmente, tem conjunto de motor e câmbio decente – o 1.6 THP com câmbio automático de seis marchas. Mas não é nem um pouco intuitivo. Pode ser até ser que com mais 15 minutos eu e o C4 Picasso seríamos como velhos amigos, mas se eu que tenho facilidade com eletrônicos me senti um idiota, imagino meus pais, tios e avós tentando lidar com tudo aquilo ali. Não teria qualquer amizade.
Porque a melhor tecnologia é aquela com a qual você interage e adapta-se de forma simples e indolor. Não adianta muito para o consumidor ter um carro que faz milhares de coisas se, para aproveitar isso, terá de ler um manual de 500 páginas e fazer um curso de especialização em Sorbonne. E até a parte pasteurizada da indústria ainda tem muito o que evoluir neste sentido.