Para quem usa um automóvel todos os dias, algumas coisas podem parecer óbvias. A manutenção de nossos veículos é uma dessas coisas: teoricamente, basta seguir o plano de manutenção preventiva que tudo estará bem. Deveria ser assim. Mas nem sempre é.
O plano de manutenção do automóvel é aquele que deveria ser seguido estritamente pelos donos de carros, garantindo troca dos componentes no tempo certo e evitando gastos desnecessários nas revisões. Se você já teve a (saudável) curiosidade de abrir o manual do proprietário do seu veículo, você prontamente encontrará o que eu falo.
Eu particularmente tenho costume de fazer isso em todas as revisões. E foi assim que percebi uma falta quando o carro da minha mãe atingiu os 60.000 km: não havia indicação nenhuma para troca do fluido do câmbio automático.
Com a pulga atrás da orelha, tendo em mente o carro em si – e a caixa de câmbio que o equipa -, passei a procurar nas minhas anotações e no Deus-Google aquilo que eu já suspeitava. E prontamente achei: para uma vida útil alongada, sem dores de cabeça, relativa ao câmbio automático deste carro, era hora de trocar o lubrificante da transmissão. Aos 60 mil quilômetros rodados.
Não havia uma indicação explícita para a troca deste componente no manual de manutenção do automóvel. Para outros serviços, como troca do óleo do motor e de filtros diversos, havia. O mecânico deveria apenas checar o nível e qualidade do óleo da transmissão para, aí sim, intervir com a troca.
Só mesmo a minha experiência de “rato de oficina” para saber que a troca naquela quilometragem indicada na internet era realmente a ideal para alongar a vida da transmissão do veículo em questão. Era simples: bastava comparar o índice de problemas de quem não tomava tal providência frente aos que adotavam esta prática de manutenção preventiva.
Mas isso sou eu. Engenheiro, curioso, movido a graxa e gasolina. E para o público leigo?
O problema é maior. E quando se sabe que algumas transmissões são ainda mais sensíveis ao óleo usado, percebe-se que o buraco é ainda mais embaixo. Para piorar, alguns fabricantes ainda indicam que a vida útil do fluido é igual ao do automóvel, dispensando a sua troca enquanto o veículo estiver rodando por aí.
Longe de mim querer discutir com um monte de engenheiros bem-pagos dos fabricantes. Mas, tome nota de uma rápida aula de engenharia para seguir meu raciocínio. O fluido da transmissão automática tem, basicamente, quatro funções:
– Lubrificação: são milhares de componentes móveis com atrito entre si
– Transmissão de força: ao contrário dos câmbio manuais, dotados de embreagem para repassar a força do motor para o conjunto de engrenagens, o conversor de torque por circulação hidráulica é que faz esse papel na grande maioria dos câmbios automáticos
– Fluido de comando hidráulico: A força do óleo sob pressão comanda o engate das marchas a partir do travamento ou soltura dos pacotes de discos de atrito e das cintas que prendem as engrenagens epicicloidais
– Arrefecimento: o calor gerado é refrigerado pelo óleo, cabendo a este ser posteriormente arrefecido também.
Colesterol no câmbio
Você já se preguntou como a milagrosa AirFryer consegue fritar batatas fritas com a simples circulação de ar, não é mesmo? A movimentação intensa de qualquer fluido com alguma turbulência em seu trajeto gera calor. E o óleo circula pelo conversor de torque retira calor do sistema (seja gerado por este ou transmitido pelo motor) e é também aquecido pela bomba.
E por falar em bomba, temos uma pressão sensível no sistema hidráulico desse tipo de componente. Uma vez que pressão é uma relação entre força e área, temos um esforço (ou ausência dele) agindo sobre as cintas e discos. Como um disco de embreagem ou as pastilhas de freio, as cintas e discos se desgastam e soltam partículas – metálicas em forma de limalhas no caso das cintas ou um pó típico de compósitos no caso dos discos.
Logo, temos um óleo contaminado e submetido a altas temperaturas. Sabe aquele óleo velho de pastelaria, escuro e que em nada lembra a cor do óleo novo? É exatamente isso que ocorre com o fluido do câmbio automático. É bem como um coração que lida com veias entupidas e gordurosas: basicamente ele pifará.
Ou seja: é o fim da sua caixa de câmbio automática. O reparo dificilmente sairá por menos de R$ 4.000,00 nos grandes centros urbanos. Sem contar a eventual demora na busca e recebimento de peças para sistemas menos comercializados e a ausência de mão-de-obra capacitada para esse tipo de reparo.
Devemos acreditar que este fluido tem vida infinita? Como diriam Mulder e Scully: “I want to believe!”
Ok. Você decidiu, após ler tudo isso, trocar o óleo de câmbio automático de seu automóvel. Mas quando, onde e como? Nestas horas, pare de procurar besteira na internet: o Google é o seu senhor e nada vos faltará. Busque informações específicas sobre os prazos indicados para a devida manutenção do sistema de transmissão do seu veículo.
Importante ressaltar: na dúvida ou desconhecimento, nunca mude o fluido indicado para a reposição no sistema! Apenas caso tenha certeza da compatibilidade do material – ou auxiliado por fonte confiável – é que deve se proceder a troca da especificação do óleo. Por fim, busque uma oficina com boa reputação e que sabidamente possui expertise neste tipo de reparação.
Depois, é curtir a vida e dar o merecido descanso para a perna esquerda.