Você deve dizer “não” ao frentista – entenda a razão
É só encostar o carro no posto para abastecer que o frentista já solta a pergunta: “QUER QUE OLHA ÁGUA E ÓLEO, PATRÃO?”. A resposta positiva é justamente aquela que não deveria ser dada, independente de sexo, idade ou condição social do motorista. E também independente do carro.
Mas a cena se repete em alta frequência no nosso cotidiano. E o frentista não tem tanta culpa assim. Aquilo que parece uma atitude gentil do posto de combustível é prejudicial para os automóveis e, como tal, pode afetar o seu bolso.
Apenas diga “não, obrigado”
Todos os carros que rodam ou rodaram pela face da terra utilizam algum tipo de lubrificante, comumente líquido, para possibilitar a movimentação do componentes internos do motor e câmbio. Com exceção de alguns raros carros como o Fusca e muitas motos, todos utilizam água para refrigeração do motor.
A falta de água e óleo – seja de apenas um dos fluidos ou dos dois – leva a um dano catastrófico para motor e câmbio. É baseado neste receio que os motoristas permitem a conferência do nível dos líquidos nos pontos de abastecimento. Entretanto, para chegar no posto – por mais curta a distância e mais frio o dia – o motorista o faz com o carro ligado (óbvio!). E com o motor em funcionamento, colocam-se o óleo e a água para circular pelo motor.
Para medir o nível correto dos líquidos, é MANDATÓRIO que o carro esteja frio e estacionado em terreno plano. Se não obedecer estas regras simples, não é possível conferir os níveis corretamente. É necessário que todo o óleo em circulação no motor retorne ao cárter ou reservatório dedicado, bem como a água apresente seu volume real junto ao motor.
Ou seja: quando você para no posto, com o motor já em funcionamento, haverá óleo e água pelas galerias de condução dos fluidos. Na vareta de medição do óleo e na conferência visual do nível da água, aparecerão quantidades MENORES do que a verdadeira no sistema. Ou seja: complementar a quantidade de qualquer um dos líquidos nesta situação até o ponto de máximo volume fará com que o motor trabalhe com fluidos além da capacidade permitida.
Os efeitos da água e do óleo em excesso são maléficos para o motor do seu carro. Vamos explicar um por um. Mas, por enquanto, acredite que falar um cordial “não, obrigado” para o frentista é uma boa pedida.
Água em excesso: temperatura demais é ruim, de menos também
Sabemos, por diversas formas, que a água – em temperatura mais baixa, logicamente – é capaz de resfriar superfícies metálicas com boa eficácia. Mas se para resfriar uma panela de pressão você coloca-a sob água corrente, como a água do carro pode resfriar o motor infinitamente mais quente sem uma torrente de água gelada sobre ele? A palavra mágica neste caso é “radiador”!
O calor do motor é retirado pela água – esta, por sua vez, esquenta a ponto de vaporizar. Uma redução de pressão forçada faz com que a água retorne ao estado líquido, mas ainda em alta temperatura. O radiador – ou trocador de calor água-ar – faz com que o líquido passe o calor para suas aletas metálicas. Estas, por sua vez, são refrigeradas pelo ar. Com isso, o radiador dissipa o calor de forma eficiente e a água sai em baixa temperatura para novamente retornar ao motor e reiniciar o ciclo de refrigeração.
A quantidade de água necessária para refrigeração do motor em um circuito hermeticamente fechado (onde não há vazamentos de fluido) é calculado pelas equações de geração e transferência de calor. Estas são café pequeno para os fabricantes, que conseguem mensurar a quantidade de líquido refrigerante com um pé nas costas.
Pouca água significa déficit de “material”, assim por se dizer, para troca de calor com o motor. Com menos calor retirado pro propulsor, o excesso vai se acumulando – e, com isso, a temperatura sobe. As falhas que se originam são diversas: travamento por dilatação térmica, fusão de ligas metálicas, degeneração do óleo lubrificante, e uma série de outras dores de cabeça. Ou seja: não fique sem água para refrigerar seu motor!
Mas e a água em excesso? O efeito é contrário: você tirará mais calor do que o ideal. Com o motor rodando abaixo da temperatura ideal, o óleo lubrificante terá uma viscosidade (resistência ao movimento entre duas superfícies) fora da ideal. As dimensões dos componentes também muda, com a contração imprevista de ligas metálicas. E a temperatura ideal para que ocorra a combustão no interior dos cilindros também se afasta do previsto do fabricante.
Logo, o motor roda mais “travado”, mais suscetível a desgastes e com transformação de energia química em mecânica de forma mais ineficaz, consumindo mais e rendendo menos. Além disso, a bomba d’água é dimensionada para o deslocamento de uma quantidade “x” de líquido em uma fração de tempo. Ao se imputar o deslocamento de uma quantidade maior do que “x” no mesmo intervalo, a bomba trabalha em condições de pressão e esforços além dos planejados.
Com o tempo, uma quebra de bomba d’água pode ocorrer. E, dependendo da situação, a quebra pode ocorrer de forma a drenar toda água do sistema, não havendo fluido para refrigeração… e o motor esquentará para além do permitido! Ou seja: o excesso de água pode causar uma falha que levará à falta do líquido.
E tem mais: o frentista colocará água da torneira no radiador do seu carro. Isso deve ser evitado ao máximo! O correto é usar água desmineralizada, sem os minerais presentes na água que podem oxidar os metais do circuito de arrefecimento do motor. O fluido anticongelante não é capaz de conter totalmente as propriedades oxidantes destes minerais.
A corrosão formada no motor pode entupir as galerias do radiador, travar a abertura ou fechamento da válvula termostática, entre outros problemas no sistema de arrefecimento. Frise-se que cada fabricante especifica o seu aditivo utilizado, bem como a proporção necessária para cada motor.
Com o óleo a coisa é ligeiramente pior.
Contaminando o ambiente: o óleo em excesso mata!
A história com o óleo lubrificante é bem parecida com a da água. Ou seja: não fique sem óleo no seu motor! Sem a fina película que se forma entre os componentes móveis, os mesmos ficarão impedidos de se movimentar e você terá um motor travado (inutilizado, mesmo). Não obstante, o óleo auxilia a água na retirada de calor do motor. Alguns carros também utilizam um radiador para o óleo, visando levá-lo novamente à faixa de temperatura ideal de operação.
Entretanto, o óleo em quantidade além do necessário junto das partes móveis do motor “escorre” para o interior da câmara de combustão e pode ser queimado junto do ar e do combustível. Com isso, a emissão de poluentes é infinitamente maior do que a esperada para o seu veículo. Além disso, o excesso de óleo junto às válvulas pode causar a carbonização, que é a deposição de resíduos carbônicos de queima incompleta junto a superfícies diversas.
A carbonização junto à sede das válvulas corrói os retentores responsáveis pela vedação do componente, além da própria intromissão do corpo estranho entre as válvulas, suas sedes e suas guias. O resultado é um só: com as válvulas não fornecendo estanqueidade no interior da câmara de combustão, há perda de pressão interna que se traduz em maior consumo de combustível, perda de potência…e a formação de mais carbonização, em um círculo vicioso.
E a lista de danos não termina por aí: com o excesso de lubrificante no interior das câmeras de combustão, as válvulas não conseguem disparar de forma efetiva a centelha para que haja a queima da mistura de ar e combustível. A maior espessura da película de óleo na parede dos cilindros também diminui o volume dos cilindros, levando a uma pressão maior que a prevista sob componentes móveis – danificando, assim, anéis, pinos e bielas.
A bomba de óleo sofre com a demanda de fluido excessiva da mesma forma que sua similar que movimenta a água. Além disso, os efeitos da refrigeração excessiva também podem ser sentidos pelo maior volume de lubrificante retirando calor das superfícies do motor.
A maior pressão do fluido circulante força selos e retentores do motor, facilitando o vazamento não somente do volume excedente pelos pontos de rompimento da vedação. Pela maior quantidade de fluido circulante, eventualmente pode haver a degeneração mais rápida do filtro de óleo, .
Um último ponto a ser ressaltado, mas não menos importante: ao se completar o nível do óleo em qualquer ocasião, devem ser observadas as características do mesmo. As três mais importantes são:
Natureza – São três, basicamente: sintético, semi-sintético e natural. Nunca, absolutamente nunca, deve-se optar por um óleo de natureza diferente daquela indicada no manual do proprietário
Classificação API (American Petroleum Institute) – Sigla de duas letras, em que a primeira sempre será “S”. Refere-se aos padrões de qualidade e desenvolvimento do produto. Assim, o óleo “SA” foi sucedido pelo “SB”, este pelo “SC”. Pode-se optar por um óleo de classificação mais recente do que o recomendado, mas nunca o contrário. Assim o proprietário de carro que demanda óleo “SG” pode utilizar lubrificante “SH”, mas a recíproca é falsa.
Viscosidade – Indicada por dois numerais separados pela letra “W” (de winter, inverno em inglês) no caso dos óleos multiviscosos que é padrão nos carros modernos, pode ser ligeiramente variada conforme indicações no manual do proprietário havendo a análise de temperatura média local e tempo de uso do propulsor
Agora, atenção. Muita atenção mesmo: NÃO SE MISTURAM ÓLEOS DE TIPOS DIFERENTES!
Classificações diferentes? Não se misturam. Viscosidade distintas? Esquece. Naturezas diferentes? Nem a pau! E, no calor do momento, quantos motoristas que ficam alertas quanto a estas especificações? Ou seja: além de rodar com excesso de óleo, o mesmo estaria contaminado e com suas funções comprometidas.
Entende agora a necessidade de se dizer “não” para a famigerada pergunta dos frentistas? E antes que você se pergunte “e como eu farei para saber se meu carro está nos trinques?”, vem a boa notícia: no próximo texto da série ensinaremos como fazer isso de forma simples e rápida.
Até lá, então!