Carlos Ghosn critica Justiça japonesa e diz que filme contará detalhes de fuga

Executivo diz que prisão no país 'elimina direitos humanos'
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Ghosn afirmou que prisão foi injusta

Carlos Ghosn concedeu uma longa entrevista ao programa “Conversa com Bial”, da Rede Globo.

O ex-presidente da aliança Renault-Nissan voltou a afirmar sua inocência e fez duras críticas ao sistema judicial japonês.

“Descobri que o sistema judicial é surpreendente para uma superpotência como o Japão, que é a 3ª maior economia do mundo, porque é muito antiquado. Centenas de milhares de pessoas passam por esse sistema judicial e, de um jeito surpreendente, o procurador público ganha os casos em 99,4% deles. Não há nenhum país do mundo assim, nem na Coreia do Norte. Esse é o problema que estamos enfrentando e eu fui vítima desse sistema. Estou lutando contra esse sistema que não é compatível com o Japão que eu amo e respeito”.

Ghosn está foragido desde dezembro de 2019, quando protagonizou uma fuga cinematográfica de Tóquio. O executivo revelou como arquitetou sua escapada.

“A força do japonês é que ele é muito organizado. Mas toda força tem uma fraqueza também. Quando alguém é muito organizado isso significa que ele é muito previsível. Então, em setembro de 2019, pedi para meu advogado verificar se as pessoas que me seguiam pelas ruas de Tóquio estavam agindo dentro da lei. Ao mesmo tempo nós falamos com um tablóide japonês, que ficou muito interessado (em flagrar essas pessoas).

Eles foram até minha casa para filmá-las, só que essas pessoas foram avisadas disso e desapareceram por três ou quatro dias. Quando a imprensa foi embora por não haver mais notícia, eles voltaram. Então pensei: ‘vou chamar a imprensa no dia que eu quiser que eles saiam’. E foi exatamente isso que aconteceu: em dezembro chamei a imprensa, e eles (imprensa) chegaram no dia 25 ou 26 de dezembro. Assim, no dia em que saí do meu apartamento, eu não vi ninguém”.

Ghosn comandava a aliança Renault-Nissan (foto: Rodolfo Buhrer / Renault)

Na ocasião, o executivo teria escapado da casa onde residia dentro de uma caixa de equipamento de som. De lá ele teria viajado de trem até Osaka, de onde viajou de avião até o Líbano.

“Estou muito acostumado a ouvir motores de aviões e decolagens. Mas aquela talvez foi a decolagem mais feliz da minha carreira. O mais importante foi o momento em que cheguei no aeroporto de Beirute, às seis horas da manhã de uma segunda-feira, 30 de dezembro. Não tinha ninguém no aeroporto, e só um policial foi receber e me reconheceu. E ele disse: ‘olá, Sr. Ghosn, faz muito tempo que não vemos o senhor. Bem-vindo ao Líbano’. Foram as melhores palavras de boas-vindas que recebi em muitos anos”.

‘Recuperar nossa liberdade’

Cidadão libanês, Ghosn está proibido de deixar o país

Nascido no Brasil, Carlos Ghosn também possui cidadanias francesa e libanesa. Decidiu fugir para o Líbano porque o país não possui acordo de extradição com o Japão. Assim, o executivo entrou para a lista vermelha de procurados pela Interpol e está proibido de sair do Líbano. Sua esposa, Carole, também se encontra nas mesmas condições.

“Nós dois queremos recuperar nossa liberdade e poder viajar, e voltamos a tentar sair da lista de vermelha da Interpol. Não podemos esquecer que estamos lá a pedido do Japão. Eles querem me punir pela minha fuga e decidiram, nove meses depois, pedir um mandado de prisão à Carole. Não só para puni-la pelo apoio que me deu, mas também para que eu me sentisse mal pelo fato de ela ser privada da liberdade”.

Carlos classificou a estadia na prisão no Japão como uma ‘tortura discreta’ e afirmou que o sistema elimina ‘todos os direitos humanos’.

“Eu estava proibido de falar com minha esposa e com alguns dos meus filhos. Pensei que isso duraria de três a quatro meses, mas os advogados explicaram que isso seria até o julgamento final. Então é uma forma de tortura não brutal e não direta, mas bem discreta, eliminando todos os direitos humanos. Tanto que a ONU fez uma declaração dizendo que minha prisão tinha sido arbitrária e que não havia certeza de que teria um julgamento justo”.

Questionado por Bial sobre os motivos que levaram à acusação de quatro crimes, Carlos Ghosn afirmou que sempre sofreu resistência por parte dos japoneses.

“Quando cheguei na Nissan eu transformei a empresa e tive muita resistência dentro e fora dela. Mas como os resultados foram fulgurantes e muito rápidos, essa resistência se acalmou, mas nunca desapareceu. Muitas pessoas não gostaram do fato de um ‘gaijin’ (termo pejorativo criado pelos japoneses para definir um estrangeiro) ter tomado um lugar tão importante na sociedade japonesa. Durante muitos anos eu estava consciente desta resistência, mas nunca pensei que haveria essa brutalidade do golpe que foi montado para quando eles pensassem que não precisavam de mim”.

‘Japoneses nunca reconhecem erros’

Japoneses acusam Carlos de ter cometido quatro crimes

Carlos Ghosn também questionou porque as acusações só foram feitas depois de tanto tempo.

“A razão pela qual eu fui preso foi a não declaração de um salário que não foi pago. Ao mesmo tempo, a Nissan iniciou uma campanha de comunicação em que falava que eu tinha abusado do (uso do) avião, de apartamentos. Mas eram coisas muito conhecidas dentro da empresa há anos. Eu chefiei a Nissan entre 1999 e 2017. E aí eles descobriram em 2018 que eu abusava do avião? Depois de 18 anos, o público fica confuso com o fato de haver tantas acusações. Foram apresentadas coisas que são bem conhecidas, das quais o conselho administrativo sabia, e esse abuso teria sido aceito porque eu era como um ditador dentro da empresa”, afirmou.

“Quando os japoneses cometem erros eles nunca reconhecem. Eles vão até a última etapa do erro. Quando eu fui preso eu pedi para o promotor contatar a Nissan para que mandassem um advogado. Pensei que haveria algum tipo de desentendimento, principalmente quando me disse por que eu seria preso”.

Carlos Ghosn também criticou a Renault e o governo francês, que pouco fez para defender seu cidadão e ex-presidente de uma das montadoras mais importantes do país.

“Os franceses nem me defenderam. Disseram que os interesses entre França e Japão superam qualquer situação individual”.

Russell Crowe na pele de Ghosn

Carlos, que está lançando um livro com sua esposa, pretende lançar um filme no qual contará detalhes de sua fuga do Japão. Perguntada por Bial sobre qual ator gostaria de ver na pele de seu marido, Carole Ghosn foi enfática.

“Acho que eu gostaria de Russell Crowe por fazer papéis tão diferentes, então acho que seria uma ótima escolha”.

Ghosn revelou ainda que Francis Ford Coppola procurou o casal para oferecer assistência no que fosse necessário. Mas o diretor não deve ser responsável pelo filme.

“Se você quer saber realmente o que aconteceu (na fuga) vai ter de esperar pelo lançamento. Isso só deve acontecer depois de 2022, e acredito que até lá todos os julgamentos terão sido realizados e não haverá risco às pessoas envolvidas”.

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