Com a consolidação da Stellantis, um dos maiores grupos automotivos do mundo, começamos a observar as mudanças na estratégia da empresa em todo o mundo. No Brasil, não poderia ser diferente, como mostra a reportagem de Pedro Kutney, do nosso parceiro Automotive Business.
Desde o início do ano, o italiano Antonio Filosa, ex-chefão da FCA, comanda o grupo Stellantis na América Latina – como continuação natural do seu bom desempenho nos últimos dois anos a frente das marcas Fiat e Jeep. Um de seus objetivos agora é transmitir o mesmo sucesso às marcas francesas da Stellantis, Peugeot e Citroën.
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“A Stellantis é uma casa de marcas e trabalhamos em planos de crescimento para cada uma delas. Dentro dessa estratégia, esperamos que nos próximos 24 meses Peugeot e Citroën voltem a crescer no mesmo nível que estavam dez anos atrás. As duas têm muito futuro no Brasil e vamos investir nisso”, revelou Antonio Filosa.
Se o plano funcionar, Peugeot e Citroën poderiam voltar a ter pouco mais de 5% de participação nas vendas no mercado brasileiro, que era porcentual médio das duas marcas somadas até o início da década passada, contra menos de 2% atualmente.
Estratégias
Uma das soluções para isso é aproveitar a grande rede que a FCA tinha no Brasil – principalmente a Fiat, com cerca de 500 pontos de vista no país.
Filosa elogiou o modelo em “Y” adotado pela rede de revendas Citroën e Peugeot em vários países, inclusive no Brasil, em que ambas as marcas compartilham o mesmo espaço de concessionárias, com showrooms separados por uma parede e a mesma oficina nos fundos.
Segundo o executivo, a mesma fórmula pode ser incorporada por Fiat e Jeep, mas somente em algumas regiões. “É uma configuração interessante, que aumenta muito a produtividade da rede, e vai continuar sendo usado por Peugeot e Citroën. Quando olhamos Fiat e Jeep, algo poderá ser estruturado da mesma forma, mas não no País todo, só em algumas regiões onde essa união fizer sentido para o negócio, então poderemos conversar caso a caso com os concessionários”, afirma Filosa.
“Antes de tudo, precisamos respeitar os valores e a identidade de cada marca, isso não podemos perder”, destaca.
Novos produtos
Filosa avalia que outro fator para alcançar essa retomada são os lançamentos de novos produtos – o primeiro deles é o substituto do Citroën C3, a ser produzido em Porto Real (RJ) a partir de setembro próximo sobre a plataforma modular CMP desenvolvida no Grupo PSA, a mesma já aplicada ao no Peugeot 208 lançado no ano passado, que passou a ser fabricado na Argentina.
Aos novos produtos das marcas francesas, Filosa quer aliar o uso das mesmas estratégias assertivas de conquista de mercado já aplicadas recentemente por Fiat e Jeep, que fizeram as vendas de ambas saltarem às alturas nos últimos meses.
Esse crescimento, muito acima da média do mercado e antes mesmo da intensa agenda de lançamentos deste ano, começou com as renovações do Jeep Compass e da Fiat Toro, inaugurando o novo sistema de conectividade da fabricante e o motor turbo 1.3, segue nos próximos meses com o novo SUV compacto da Fiat sobre a plataforma do Argo e o Jeep de sete assentos – ambos começam a ser produzidos em agosto próximo –, e mais um SUV Fiat esperado para o início de 2022.
Para além dos lançamentos, Filosa destaca que o maior acerto da empresa foi ter “uma equipe competente” que soube como lançar novidades, atrair novos clientes e ampliar o mercado, por meio de campanhas de marketing bem-sucedidas, como por exemplo no reposicionamento de identidade da Fiat feito no ano passado, quase que simultaneamente ao lançamento da nova Strada, que triplicou suas vendas ao introduzir versões para públicos que antes não faziam parte da demanda pela picape.
É esse espírito que o chefe de operações (COO) da Stellantis América do Sul pretende transmitir também às marcas francesas do grupo.
Em sua primeira entrevista desde a conclusão da fusão entre PSA e FCA que criou a Stellantis em janeiro passado, Filosa fez questão de afirmar que todas as marcas de veículos e suas plantas industriais são ativos indispensáveis ao sucesso da nova empresa. Em outras palavras, não está no horizonte a descontinuação de qualquer marca ou fechamento de fábricas.
Muito pelo contrário, o plano é investir no crescimento de todas as divisões e plantas, isso porque a enorme amplitude da gama de produtos, com flexibilidade de produção e sinergias, são justamente a razão central que levou as duas companhias a se unirem, para somar forças em vez de reduzi-las, como desde o dia um da fusão vem dizendo Carlos Tavares, CEO global do grupo.
Mesmo sem contar ainda com todo o potencial das duas marcas francesas, o Grupo Stellantis registrou resultados muito expressivos em seu primeiro trimestre de existência na América do Sul, liderando as vendas na região pela primeira vez com 189 mil veículos vendidos, o que representou crescimento de 49% sobre o mesmo período de 2020, considerando a soma de PSA e FCA antes da fusão.
O volume embalou uma evolução de 5,3 pontos porcentuais na participação de mercado regional, que ficou em 22,2%. No Brasil o avanço foi ainda maior, de 8,1 pontos, e a Stellantis dominou 28,9% das vendas, enquanto na Argentina o market share cresceu 3,6 pontos, para 27,8% no fim de março passado.
Investimentos
Filosa afirma que as cinco fábricas da Stellantis na América do Sul – incluindo Betim (MG), Goiana (PE) e Porto Real (RJ) no Brasil e Córdoba e El Palomar na Argentina – foram modernizadas e operam com alta produtividade, “acima da concorrência”, ele destaca.
O executivo avalia que o plano de recuperar o vigor comercial de Peugeot e Citroën, principalmente no mercado brasileiro, deverá reduzir a alta ociosidade enfrentada atualmente pelas plantas onde são produzidos os veículos das marcas francesas, Porto Real e El Palomar.
“Seguiremos investindo em todas as plantas, inclusive já reconfirmamos no início do ano o investimento em Porto Real para produzir um novo carro sobre a plataforma CMP”, lembra Filosa. “A pandemia nos atrapalhou, porém não cancelamos nenhum plano”, acrescentou, ressaltando que segue em curso o programa que prevê aportes de R$ 16 bilhões no período 2019-2025. “A maior parte dos recursos está sendo aplicada em Betim e Goiana, mas todas as unidades serão beneficiadas.”
Ainda levará algum tempo até que Peugeot e Citroën possam compartilhar sinergias técnicas com Jeep e Fiat, como por exemplo os novos motores turbo GSE 1.0 e 1.3 que começaram a ser produzidos em Betim este ano e já estão sendo aplicados em veículos das duas marcas.
Segundo admite Filosa, “leva ao menos 18 meses para adaptar e homologar um motor a um novo carro”. Portanto, nesse horizonte até o meio de 2022, é improvável que modelos das marcas francesas adotem os propulsores turbinados herdados da FCA.
Sem novas marcas
Se não há intenção de descontinuar nenhuma das marcas do Grupo Stellantis em operação na América do Sul – no mundo a empresa tem 14 herdadas da PSA e FCA –, também não há planos de curto prazo para aumentar o número delas, como trazer modelos da Opel ou Alfa Romeo, por exemplo.
“Existe muita paixão por essas marcas, como é meu caso pela Alfa Romeo, mas para tornar o negócio viável é preciso usar a razão. Podemos estudar no futuro, mas no momento o plano para a região é consolidar Fiat e Jeep e recuperar o potencial de Peugeot e Citroën”, diz Filosa.